O ideal ascético: Um confronto entre natureza e cultura
JOSÉ CARLOS SILVA ROCHA COSTA
Licenciado em Filosofia – (UESB)
Mestrando em Filosofia – (UFBA)
Introdução
Neste texto, à luz do pensamento de Friedrich Nietzsche, abordaremos o ascetismo de natureza metafísico-religiosa, que concebe o ideal ascético como uma renúncia à existência natural. Destacaremos o papel desempenhado pelos sacerdotes ascéticos na promoção dessas ideias, os quais rejeitam a vida em prol de uma realidade distinta e imutável. Nietzsche postula que o ascetismo desempenha o papel de um recurso psicológico, desviando o ressentimento daqueles que enfrentam o sofrimento.No entanto, ele adverte que esse ideal ascético, ao invés de fortalecer, enfraquece o indivíduo e a cultura. Em resumo, Nietzsche explora a complexidade do ascetismo e seu impacto na interpretação da vida.
O ascetismo metafísico-religioso representa, para Nietzsche, uma oposição à própria existência natural. Ele interpreta esse tipo de ascetismo como uma forma de negação da vida e elege o sacerdote como um modelo essencial para compreender o significado dos ideais ascéticos. Na terceira dissertação de sua Genealogia da moral (1887), o filósofo explora diversas maneiras pelas quais os ideais ascéticos podem se manifestar, incluindo desde artistas, filósofos, mulheres, sacerdotes, santos e até mesmo nas ciências. É importante observar que Nietzsche associa o termo “ascetismo” a muitos domínios não religiosos. Concentraremos nossa atenção no ascetismo sacerdotal, pois ele se opõe às questões fundamentais discutidas na filosofia de Nietzsche, principalmente aquelas relacionadas ao valor e ao significado da vida natural.
A vida ascética é uma contradição
O que torna a visão sacerdotal intrigante, aos olhos de Nietzsche, é a avaliação que esses sacerdotes fazem da vida. Eles se opõem ao mundo natural – em constante transformação – em defesa de uma realidade completamente sobrenatural. Além disso, o poder que o sacerdote adquire ao dar sentido ao sofrimento e à existência humana é notável. Uma explicação possível para esse impulso de negar a vida pode ser encontrada na busca por uma forma de autoalienação com o objetivo de conservação de um certo modo de vida. Em outras palavras, o ascetismo é visto como um “remédio” para lidar com a dura realidade da vida, uma saída psicológica para enfrentar a fraqueza, a dor e o sofrimento. A existência humana, muitas vezes difícil de ser suportada, atrai a concepção de uma realidade que transcende essas dificuldades.
O pensamento em torno do qual aqui se peleja, é a valoração de nossa vida por parte dos sacerdotes ascéticos: esta (juntamente com aquilo a que pertence, “natureza”, “mundo”, toda a esfera do vir a ser e da transitoriedade) é por eles colocada em relação com uma existência inteiramente outra, a qual exclui e à qual se opõe, a menos que se volte contra si mesma, que negue a si mesma: neste caso, o caso de uma vida ascética, a vida vale como uma ponte para essa outra existência. O asceta trata a vida como um caminho errado, que se deve enfim desandar até o ponto onde começa; ou como um erro que se refuta — que se deve refutar com a ação: pois ele exige que se vá com ele, e impõe, onde pode, a sua valoração da existência(GM/GM III § 11, KSA 5.362).
Nietzsche interpreta a vida ascética como uma profunda contradição. Para ele, os instintos e a vontade não se contentam apenas em interpretar a vida; eles anseiam pelaposse da própria essência da existência. Nesse contexto, o sacerdote ascético desempenha um papel crucial, reconfigurando as forças psicológicas poderosas. No entanto, o resultado dessa reconfiguração se manifesta na criação de valores que contrastam com uma vida vigorosa, exuberante e poderosa, assemelhando-se a um declínio em direção à enfermidade.“Aqui o olhar se volta, rancoroso e pérfido, contra o florescimento fisiológico mesmo, em especial contra a sua expressão, a beleza, a alegria; enquanto se experimenta e se busca satisfação no malogro, na desventura, no fenecimento, no feio, na perda voluntária, na negação de si, autoflagelação e autossacrifício” (GM/GM III§11, KSA 5.363).Segundo Nietzsche, a vida ascética é uma contradição em si mesma, uma batalha entre a natureza e um elemento intrínseco à própria natureza, uma existência que se nega a si mesma. Esse fenômeno peculiar se torna viável quando os instintos de preservação da vida, mesmo quando enfraquecidos, fazem de tudo para se manterem na existência.
Nietzsche introduz uma aparente contradição em seu argumento ao afirmar que, mesmo promovendo valores que negam a vida natural, a vontade de viver ainda persiste no sacerdote: “este sacerdote ascético, este aparente inimigo da vida, este negador – ele exatamente está entre as grandes potências conservadoras e afirmadoras da vida...”. (GM/GM§13, KSA 5.366-367).A aparente contradição, que é essa “vida contra vida”, parece ser superficial, uma vez que os instintos mais básicos da luta pela sobrevivência ainda estão presentes. O ideal ascético, em última instância, é um artifício concebido para preservar a vida diante da ameaça da morte.
A condição doentia do tipo de homem até agora existente, ao menos do homem domesticado; a luta fisiológica do homem com a morte (mais precisamente: com o desgosto da vida, com a exaustão, com o desejo do “fim”). O sacerdote ascético é a encarnação do desejo de ser outro, de ser-estar em outro lugar, é o mais alto grau desse desejo, sua verdadeira febre e paixão: mas precisamente o poder do seu desejo é o grilhão que o prende aqui; precisamente por isso ele se torna o instrumento que deve trabalhar para a criação de condições mais propícias para o ser-aqui e o ser homem — precisamente com este poder ele mantém apegado à vida todo o rebanho de malogrados, desgraçados, frustrados, deformados, sofredores de toda espécie, ao colocar-se instintivamente à sua frente como pastor(GM/GM III § 13, KSA 5.366).
Indiscutivelmente, Nietzsche concebe a condição humana como inerentemente doentia. Para ele, o ser humano é o animal mais enfermo entre todas as espécies, pois ousou desafiar de forma audaciosa, inovadora e notável o seu destino. Destacou-se como um experimentador de si mesmo, buscando o domínio supremo, desafiando não apenas a natureza, mas também os deuses e outros animais. É, ao mesmo tempo, o animal mais corajoso e, paradoxalmente, o mais vulnerável, tornando-se, assim, o mais enfermo. Essa aversão pelo eu e pela própria natureza humana originou uma nova forma de força, um poder que emergiu a partir desse desgosto e autorreflexão:“o não que ele diz à vida traz à luz, como por mágica, uma profusão de sins mais delicados; sim, quando ele se fere, esse mestre da destruição, da autodestruição – é a própria ferida que em seguida o faz viver...” (GM/GM§13, KSA 5.366-367).Nietzsche argumenta que essa disposição para enfrentar o sofrimento e confrontar a negação da vida é uma expressão da “vontade de poder”, um conceito-chave em sua filosofia que se refere ao desejo humano fundamental de se afirmar, de criar significado e valor, mesmo nas situações mais desafiadoras.
O sacerdote ascético, à semelhança de um médico, compartilha da enfermidade dos membros enfermos de seu rebanho, “a dominação sobre os que sofrem é o seu reino, para ela o dirige seu instinto, nelaencontra ele sua arte mais própria, sua mestria, sua espécie de felicidade. Elepróprio tem de ser doente, tem de ser aparentado aos doentes e malogrados desdea raiz, para entendê-los”(GM/GM III§15, KSA 5.372).Os sacerdotes ascéticos possuem uma habilidade única: ao mesmo tempo em que têm a força e a destreza para interpretar e criar situações mais favoráveis para si mesmos, eles conseguem estimular e manter, com grande devoção, todo um grupo de indivíduos que enfrentaram fracassos. Conforme observa Janaway, a interpretação é uma das manifestações da vontade de poder de acordo com Nietzsche. Portanto, os sacerdotes, mesmo lidando com sua própria enfermidade, não deixam de ser poderosos.
Sendo fisicamente inativos, fracos e não agressivos, é natural que valorizem a passividade, a mansidão e a abstinência corporal. Não são menos poderosos por isso: a sua força reside na inventividade intelectual, na capacidade de interpretar, conceitualizar, mediar e persuadir, e para Nietzsche a interpretação é sempre uma instância de domínio e controle, uma instância da vontade de poder (JANAWAY, 2007, p.226).
Apesar de sua própria decadência, os sacerdotes ambicionam o poder sobre aqueles que sofrem, disseminando seu ideal ao pregarem a doutrina que incita o repúdio à corporalidade, à multiplicidade dos impulsos e às suas manifestações. Possuem a capacidade de promover a preservação da vida decadente, ao proporcionar uma interpretação para o sofrimento daqueles que estão fatigados das agruras da existência terrena, e, assim, consolidam seu domínio sobre um rebanho de aflitos.
Essa contradição entre natureza e cultura, ou seja, entre natureza e interpretação de suas demandas, conduz à plena inversão do valor da vida. Ao proclamarem que a vida terrena está imersa em culpa e pecado, o asceta cristão transforma o sofrimento em castigo, interpretando-o como uma experiência necessária para expiar a culpa e o pecado inerentes à natureza decaída e à pecaminosidade da vida terrena. Através do sofrimento, o pecador pode redimir sua culpa e trilhar o caminho em direção à vida eterna. A contradição é persistente: à medida que a natureza é negada, uma natureza doentia é exaltada, cuja meta visa superar a própria natureza e atingir o sentido geral da vida e do viver. Em resumo, Nietzsche nos leva a refletir sobre como a interpretação religiosa molda nossa compreensão da vida e da existência, mesmo quando essa interpretação parece paradoxal e contraditória.
Meios inocentes de aplacar a dor de existir
Para Nietzsche, o sacerdote ascético é aquele que manipula a direção do ressentimento. Isso acontece porque, instintivamente, quem sofre procura alguém para culpar por sua dor. O ato de acusar e encontrar uma causa para o sofrimento traz certo alívio. Na perspectiva do filósofo, redirecionar o ressentimento e infligir dor aos outros são formas de liberar a agressividade e funcionam como um tipo de remédio para o sofrimento.
Mais precisamente, um agente; ainda mais especificamente, um agente culpado suscetível de sofrimento – em suma, algo vivo, no qual possa sob algum pretexto descarregar seus afetos, em ato ou in effigie [simbolicamente]: pois a descarga de afeto é para o sofredor a maior tentativa de alívio, de entorpecimento, seu involuntariamente ansiado narcótico para tormentos de qualquer espécie. Unicamente nisto, segundo minha suposição, se há de encontrar a verdadeira causação fisiológica do ressentimento, da vingança e quejandos, ou seja, em um desejo de entorpecimento da dor através do afeto(GM/GM III § 15, KSA 5.374).
O sacerdote assume a responsabilidade de encontrar o culpado pelo sofrimento do decadente, que, ironicamente, é o próprio indivíduo. Por meio dos conceitos de culpa e castigo, o sacerdote ensina que o próprio sofredor é o responsável por seu infortúnio e que deve expiar suas transgressões através da mortificação de seu corpo. O ascetismo, portanto, é a forma pela qual o sofredor redireciona seu ressentimento e sua agressividade. Muitas vezes, ele não consegue expressar essaviolência contra aqueles que o oprimem, então descarrega toda essa agressividade e desejo de causar dor sobre si mesmo.
Nietzsche questiona se o sacerdote ascético pode ser genuinamente considerado um médico, uma vez que ele oferece consolo ao abordar o sofrimento do enfermo, mas ignora completamente a “causa” do sofrimento e a própria doença. Embora ele forneça diferentes formas de conforto para aliviar a melancolia, sua abordagem tende a reduzir significativamente o sentimento vital, rebaixando-o ao nível mais básico, “se possível nenhum querer, nenhum desejo mais; evitar tudo o que produz afeto, que produz “sangue” (não comer sal: higiene do faquir); não amar; não odiar; equanimidade; não se vingar; não enriquecer; não trabalhar; mendigar; se possível nenhuma mulher [...]”(GM/GM III§17, KSA 5.379).Em outras palavras, isso se traduz em uma redução do metabolismo que leva a uma espécie de hibernação, uma renúncia de si mesmo que age como um anestésico, suprimindo qualquer sensibilidade à dor e resultando em um amortecimento geral das emoções.
Nietzsche também observa que outro método para aliviar apenas os sintomas da apatia e da depressão é a atividade maquinal, que ele descreve como a “bênção do trabalho”. Nesse contexto, o sofredor tenta direcionar sua atenção para longe do sofrimento, buscando uma fuga temporária por meio do trabalho mecânico.
A atividade maquinal e o que dela é próprio — a absoluta regularidade, a obediência pontual e impensada, o modo de vida fixado uma vez por todas, o preenchimento do tempo, uma certa permissão, mesmo educação para a “impessoalidade”, para o esquecimento de si, para a “incuria sui” —: de que maneira completa e sutil o sacerdote ascético soube utilizá-la na luta com a dor! (GM/GM III § 18, KSA 5.382).
Outra abordagem altamente valorizada para combater a depressão envolve a prescrição de pequenas doses de alegria, algo que possa ser incorporado como uma prática regular. Isso se traduz na capacidade de encontrar alegria ao proporcionar alegria aos outros: “ao prescrever “amor ao próximo”, o sacerdote ascético prescreve uma estimulação, embora em dosagem prudente, do impulso mais forte e mais afirmador da vida – da vontade de poder”. (GM/GM III§18, KSA 5.383). O prazer de ser útil, de prestar serviço e de ajudar os outros é frequentemente empregado como um consolo para acalmar aqueles que estão fisicamente debilitados. Além disso, há o instinto dos enfermos de se unirem em grupos para superar a apatia e a sensação de fraqueza.
A formação do rebanho é avanço e vitória essencial na luta contra a depressão. O crescimento da comunidade fortalece também no indivíduo um novo interesse, que com frequência bastante o eleva acima do elemento mais pessoal do seu desalento, sua aversão a si mesmo(GM/GM III§18, KSA 5.383).
Para Nietzsche, a busca pela dissociação é uma tendência igualmente presente em indivíduos fortes e fracos. Os mais fortes se unem com o propósito de realizar uma agressão coletiva, como uma expressão da vontade de podere com resistência à consciência individual. Enquanto isso, os mais fracos se associam ao rebanho com prazer, como uma maneira de suprimir a aversão que sentem por si mesmos.Nietzsche se refere aos métodos sacerdotais de alívio do sofrimento mencionados anteriormente como “meios inocentes”: o amortecimento geral do sentimento de vida, a atividade maquinal, a pequena alegria do amor ao próximo e a organização coletiva em rebanho promovida pelo sacerdote.
O filósofo considera esses meios como “inocentes” porque não envolvem um excesso de emoção. Por outro lado, ele considera os “meios culpados” como os mais interessantes, porque em todos eles há algum tipo de excesso emocional que libera o ser humano do amortecimento e do desprazer. É importante ressaltar que, mais uma vez, a abordagem não visa a cura da doença, mas apenas o combate à depressão.
Desatar a alma humana de todas as suasamarras, submergi-la em terrores, calafrios, ardores e êxtases, de tal modo que elase liberte como que por encanto de todas as pequeninas misérias do desgosto, daapatia, dodesalento: que caminhos levam a esse fim? E quais os mais segurosentre eles?... No fundo, todo grande afeto tem capacidade para isso, desde que sedescarregue subitamente: cólera, pavor, volúpia, vingança, esperança, triunfo,desespero, crueldade; e de fato, o sacerdote ascético não hesitou em tomar a seuserviço toda a matilha de cães selvagens que existe no homem, soltando ora um,ora outro, sempre com o mesmo objetivo, despertar o homem da sua longatristeza, pôr em fuga ao menos por instantes a sua surda dor, sua vacilantemiséria, e sempre sob a coberta de uma interpretação e “justificação” religiosa(GM/GM III § 20, KSA 5.388).
Todo esse excesso de sentimento culmina no sentimento de culpa, e o remédio prescrito pelo sacerdote acaba deixando o doente ainda mais enfermo. Segundo Nietzsche, o sacerdote, habilidoso na manipulação do sentimento de culpa, foi aquele que transformou a má consciência inerente ao ser humano em uma concepção religiosa de pecado, uma culpa perante Deus que foi interpretada como a única causa do sofrimento.A busca pela redenção dos pecados se tornou o caminho que novamente tornou a vida dos doentes interessante, uma vontade de subestimar o sofrimento e considerá-lo como o propósito da vida, já que a busca pela redenção ofereceu um sentido e uma motivação para a existência, “já não havia queixas contra a dor, ansiava-se por ela; “mais dor! mais dor!” – gritou durante séculos o desejo dos seus apóstolos e iniciados”(GM/GMIII§20, KSA 5.390).Nietzsche argumenta que, ao longo da história, especialmente na tradição religiosa judaico-cristã, houve uma glorificação da dor e do sofrimento como meios de purificação e salvação. Em vez de se queixarem ou fugirem da dor, esses adeptos do ascetismo ansiavam por mais dor, acreditando que o sofrimento era uma espécie de penitência que os aproximava de Deus e purificava suas almas.
Quando afirmamos que o ideal ascético é a expressão do confronto entre natureza e cultura, estamos, em essência, falando de uma interpretação da natureza através do olhar do fraco e do doente. Incapazes de seguir e/ou aceitar os ditames da natureza, o ideal ascético é adotado como uma forma de transcender ambos e se estabelecer como um ideal capaz de superar a dor inerente à natureza e à vida. E assim, o sacerdote triunfa, orgulhando-se de seu ideal e de seu reino que não pertence a este mundo terreno. Qualquer excesso de sentimento que resulta em dor fica à sua disposição para ser reinterpretado e utilizado em prol da conquista do ideal ascético.Em resumo, o ascetismo judaico-cristão, representa uma interpretação da vida que se origina da fraqueza e da doença, mas que se torna um meio de sublimar a dor e encontrar sentido na existência. Por meio do controle da interpretação, o sacerdote ascético conseguiu impor seu ideal como uma resposta à complexidade da vida, triunfando sobre a própria natureza e a cultura. Este é o paradoxo do ascetismo, uma busca pela redenção que se torna um instrumento de domínio sobre a experiência humana.
Conclusão
Nietzsche retrata o ideal ascético judaico-cristão como algo verdadeiramente terrível na história da humanidade, uma força destrutiva para a saúde da cultura ocidental. Ele o vê como mais prejudicial do que o alcoolismo e a sífilis em certos momentos da história europeia. O sacerdote concedeu poder aos enfermos ao interpretar o sofrimento, mas não os curou. Sob o pretexto de beneficiar e “melhorar” o ser humano, o sacerdote o domesticou, enfraqueceu-o e o aprisionou em uma espécie de jaula.
Ao interpretar o sofrimento como um castigo constantemente merecido, o sacerdote conseguiu conferir um sentido à dor por meio do sentimento de culpa, aliviando assim a condição de sofrimento e a falta de sentido na vida daqueles que padecem.Em síntese, o ideal ascético representa uma contradição na vida que se opõe à própria vida, um sintoma do cansaço que busca depreciar este mundo natural e criar um “outro” sobrenatural, uma invenção que pressupõe um esgotamento, uma fadiga que prevalece na moral judaico-cristã.
Neste texto, à luz das ideias de Friedrich Nietzsche, exploramos o conceito do ideal ascético, que é essencialmente uma rejeição da vida natural. Destacamos como os sacerdotes ascéticos desempenharam um papel crucial na promoção desses ideais, que negam a vida em favor de uma realidade sobrenatural. Nietzsche argumenta que o ascetismo age como um “medicamento” psicológico para lidar com o sofrimento humano, desviando o ressentimento das pessoas que sofrem. No entanto, ele adverte que, em vez de fortalecer, esse ideal ascético enfraquece a cultura. Em síntese, Nietzsche examina a complexidade do ascetismo e como ele molda a interpretação da vida.
Referências
JANAWAY, Christopher.Beyond Selflessness: Reading Nietzsche´s Genealogy. New York, Oxford University Press, 2007.
NIETZSCHE, Friedrich.Samtliche Werke. Kritische Studienausgabe (KSA). Herausgegeben vonGiorgio Colli und Mazzino Montinari. 15 Bände. Berlin: Walter de Gruyter, 1999.
______.Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.