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Observação

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Duas conjecturas  sobre a origem do patriarcado moderno

Adenaide Amorim Lima
Doutoranda, Filosofia, UFSM

Patriarcado, o leitor certamente já ouviu algo sobre esse termo e deve fazer uma ideia do que ele significa. No presente texto não pretendemos fazer uma discussão profunda sobre o tema, mas apresentar algumas ideias que estão na origem desse modo de pensar as relações humanas.


No que segue, apresentamos duas hipóteses para a origem do patriarcado e de como esse sistema se tornou um modelo hegemônico na nossa organização social. Privilegiamos os estudos da biologia evolutiva a partir das discussões da antropóloga e psicóloga Barbara Boardman Smuts e da perspectiva transcultural trabalhada pela antropóloga e teórica social Eleanor Burke Leacock.

Brevissímo contexto

É praticamente impossível falar de teoria evolutiva sem mencionar Charles Darwin. É em sua obra A origem do homem que encontramos as referências que por muito tempo ajudou a justificar e naturalizar muitos preconceitos nas discussões acadêmicas (COHEN, 2010). As antropólogas Mascia-Lees e Black (2017), mostram como a teoria de Darwin saltou da biologia e serviu como parâmetro para pensar a organização social tal como ela estava estruturada, de modo a justificar e naturalizar preconceitos de gênero, raça, classe social e a exploração capitalista. A origem do patriarcado tem relação com esse “uso” da teoria evolucionista, utilizada em um contexto social.
A sociedade europeia do século XIX acreditava ser muito civilizada e progressista, se colocando como espelho para o restante do mundo. Darwin acreditava que o patriarcado de sua época, com seu comportamento predatório e de submissão feminina, seria o resultado desencadeado pelo processo evolutivo (COHEN, 2010). A sociobiologia, fundamentada no darwinismo, ajudou a fortalecer ainda mais a desigualdade de gênero, de normas culturais sexistas e as travestiu de determinismo ou evolução biológica. Herbert Spencer, por exemplo, elogiou a exclusão das mulheres da esfera pública com a justificativa de que isso seria uma consequência natural do processo evolutivo que selecionou aquelas mulheres dedicadas aos seus deveres no lar (MASCIA-LEES; BLACK, 2017).
Claudine Cohen, após comentar uma citação de Darwin, quando este, ao falar sobre o dimorfismo sexual da espécie humana, alega que muitas das características femininas as colocariam como um ser entre um homem e uma criança, reflete que, mesmo havendo muitas pensadoras feministas reivindicando um lugar social para a mulher, que não a da vida doméstica, Darwin com sua mentalidade sexista as ignorou completamente, conforme revelam cartas trocadas entre ele e Caroline Kennard (SANTOS, 2021).

A hipótese da biologia evolucionária sobre a origem do patriarcado

Baseando-se em Darwin, Barbara Smuts (1995) argumenta que o foco no controle masculino da sexualidade feminina é de interesse dos biólogos evolucionários tanto quanto das antropólogas feministas. Para esta autora, em decorrência do desenvolvimento destes estudos, esse é um momento importante para analisar a origem do patriarcado investigando as diferenças de poder entre primatas não humanos, machos e fêmeas. A autora defende que a origem do patriarcado estaria enraizada em um período anterior ao surgimento da agricultura, da civilização ou do capitalismo, contextos que são evocados para explicar o patriarcado.
Partindo do pressuposto de que o patriarcado tem bases biológicas, Smuts (1995) considera como base os conflitos de interesse reprodutivos entre fêmeas e machos, concentrando-se no comportamento de primatas não humanos. A autoca descreve seis fatores que estariam relacionados às origens do patriarcado em nossa própria espécie. A partir da análise de diversas obras e pesquisas, Smuts (1995) conclui que o patriarcado é o resultado de estratégias reprodutivas evidenciadas em primatas machos e que entre os humanos estas estratégias passaram por uma reelaboração extraordinariamente eficaz ao ponto de se tornarem hegemônicas. Porém, estas estratégias não são determinantes, determinadas ou imutáveis.
A autora observa que a coerção dos primatas não humanos machos em relação às fêmeas não é uma regra geral, pelo contrário. Baseando-se em pesquisas empíricas que mostram as características comportamentais de vários primatas em diferentes localidades do planeta, as que evidenciaram algum tipo de comportamento coercitivo destes primatas em relação às fêmeas, evidencia-se também que esses comportamentos acontecem em situações específicas, como quando as fêmeas estão em estro, mas não o tempo todo, exceto nos babuínos hamadryas que vive no norte da África, formados por grupos com um único macho adulto, eles controlam suas fêmeas o tempo todo levando-as para longe dos machos “solteiros” ou quando as pune, quando a fêmea se afasta do macho alfa do grupo.
As espécies de primatas estudadas, mesmo nos momentos em que as fêmeas são coagidas de algum modo, elas procuram maneiras para se defender ou defender suas crias dos ataques dos machos, aliando-se a outras fêmeas ou machos “amigos”. Smuts (1995) observa ainda que, em várias espécies de primatas não humanos a coerção masculina em relação às fêmeas raramente, ou nunca, é observada, e as fêmeas parecem estar inteiramente livres do controle sexual masculino.
A agressão masculina é restrita, em diversas espécies, ligadas às fêmeas, não apenas por causa da ameaça de coalizões femininas, mas também porque as fêmeas desses grupos detêm um poder considerável de “fazer reis”. Nos macacos rhesus e os macacos vervet, por exemplo, a busca de um macho para alcançar e manter o status de alta dominância é fortemente influenciado pelo apoio de fêmeas do alto escalão. Nesse caso, a dependência dos machos do apoio feminino os torna cautelosos em desafiar as fêmeas dominantes. Diante destes cenários surge a seguinte questão: como um comportamento que não era dominante pode ter saltado dos primatas para os hominídeos, uma vez que os genes, conforme Smuts (1995) tornam-se dominantes devido ao aumento do sucesso reprodutivo?
Smuts (1995) elabora seis hipóteses que estariam relacionados com o modo como o patriarcado pode ter saltado dos primatas não humanos para os hominídeos. Citaremos somente cinco, pois a última hipótese, a linguagem simbólica, é exclusivamente humana.
Hipótese 1 – As fêmeas tornam-se mais vulneráveis e sujeitas a coerções masculinas, na maioria das espécies de primatas investigadas, quando estavam em alguma situação de fragilidade, por exemplo, quando estavam sozinhas. Grandes fêmeas de chimpanzés, gorilas e orangotangos, onde esse tipo de dominação tem-se mais evidenciado, acontece quando as fêmeas são dispersas do lugar onde nasceram e não tem parentes por perto para protegê-las ou não formam coalizões.
Hipótese 2 – No decorrer da evolução humana, as alianças entre os homens tornaram-se cada vez mais desenvolvidas e eficientes, inclusive para agirem contra as mulheres. Nos chimpanzés, as raras alianças entre os machos são mais elaboradas, eles permanecem em suas comunidades natais e se associam entre si, também, contra machos de outras e de suas comunidades na luta pelo poder, semelhante às manobras políticas humanas.
Hipótese 3 – Com o advento da agricultura e da pecuária os homens passaram a controlar as mulheres mais facilmente. O germe dessa dinâmica pode ter sido a mudança da dieta dos nossos ancestrais de onívoros e forrageiros individuais para uma dieta mais carnívora, e o compartilhamento dessa carne pelos machos. A dependência feminina aumentou a sua vulnerabilidade, seu trabalho concentrou-se em uma pequena área e ficou mais fácil para os homens controlar suas atividades. Isso aumentou quando os homens, preocupados em garantir o sustento de sua prole, aumentaram as motivações para controlar a sexualidade da fêmea.
Hipótese 4 – No processo de evolução, os arranjos sociopolíticos masculinos aumentaram a variação de riquezas e poder, perpetuando as relações cada vez mais desiguais entre os próprios homens e, consequentemente, as mulheres tornaram-se cada vez mais vulneráveis aos caprichos dos homens mais poderosos. A relação desses fatores com os nossos ancestrais primatas, segundo Smuts (1995), é que em qualquer espécie gregária, o macho que tenta dominar a fêmea será mais bem-sucedido se dominar e controlar outros machos também. Esse macho dominante poderá acasalar com as fêmeas, levando-as a escolhê-lo, sem intervenção dos seus rivais.
Hipótese 5 – As mulheres também contribuem para a perpetuação do patriarcado quando buscam satisfazer os seus interesses materiais e reprodutivos. Ao invés de aliar-se a outras fêmeas contra os machos, as fêmeas acabam competindo com outras fêmeas e aliando-se a machos. Essa preferência feminina acaba por estimular a competição entre os homens por recursos e poder. Desse modo, mulheres e homens se beneficiariam, reprodutivamente, desse processo. Essa configuração se estenderia para as gerações seguintes quando estas insistem na obediência de suas filhas e favorece os filhos e irmãos sobre irmãs, perpetuando e fortalecendo o patriarcado.
Barbara Smuts justifica que seu trabalho apresenta hipóteses de como os nossos ancestrais fizeram a jornada de um ancestral pré-hominídeo, caracterizado por formas específicas de controle masculino sobre as mulheres, para o ser humano moderno, que é a condição na qual a maioria, senão todas, as sociedades são caracterizadas por uma dominação masculina generalizada. Embora reconhecemos a relevância da sua tese, suas hipóteses permite levantar a seguinte questão: se a maioria das comunidades de primatas não humanas citadas por ela eram matricêntricas, porque a exceção tornou-se a regra geral para a origem do patriarcado?

Darwin e o sentido evolucionista do patriarcado

É preciso partir do pressuposto de que, a organização social que saltou para os pré-hominídeos foi a matricêntrica e não o patriarcado. O próprio Darwin forneceu fundamentos deste pressuposto ao discutir a seleção pelo comportamento sexual na evolução da espécie humana e o papel central que ocupavam as mulheres nesse processo. Para Cohen (2010), no livro A origem das espécies, Darwin argumenta que: “Essa Seleção Sexual é operada pelas fêmeas (às vezes pelos machos) para acasalar e reproduzir com alguns parceiros que são dotados de mais qualidades que outros, e mais ao seu gosto” (COHEN, 2010, p. 160).
Segundo Darwin (2008), a escolha sexual feita pelas fêmeas acontece na maioria das espécies de animais, o que faz com que os machos sempre se adornem e entrem em competição com outros machos para conquistar as fêmeas. Ao fazer a comparação com os seres humanos, Darwin defende que existem características particulares nos seres humanos que pertencem apenas a um gênero, e que essas características podem ter sido selecionadas sexualmente de duas formas: 1) a partir de uma luta entre dois indivíduos do mesmo sexo (geralmente machos) para eliminar seus adversários, enquanto as fêmeas permanecem passivas; 2) quando as fêmeas escolhiam o parceiro mais atraente, essa última foi, de acordo com Darwin, dominante no estágio inicial da história humana.
Em sua obra, Darwin menciona muitos exemplos em que, em povos originários, as mulheres exercem fortemente autonomia na sua sexualidade.

[Na América Ártica], uma mulher em uma das tribos... fugiu repetidas vezes de seu marido a fim de passar a viver com o seu amante; [...] entre os charruas da América do Sul, o divórcio é facultativo. Antes de se unirem a uma mulher, os abíponas barganham durante muito tempo com os pais dela para acertar o preço. Mas, muitas vezes acontece que a moça manda às favas tudo que foi combinado e decidido entre os pais e o esposo, recusando até a mencionar a palavra “matrimônio”. Frequentemente foge, esconde-se e assim consegue evitar o esposo. [...]. Na Terra do Fogo, um jovem deve antes obter o consentimento da família prestando-lhes algum serviço e depois poderá tentar angariar as simpatias da moça; “mas se esta não quer, esconde- se na mata até o cortejador se canse de procurá-la e desista do intento; mas isto acontece raramente”. Nas ilhas Fiji, o homem toma a mulher que deseja por esposa, com força simulada ou real; “mas se depois que entrou na casa de seu raptor ela não está satisfeita com o matrimônio, foge para junto de alguém que a possa proteger; pelo contrário, se está satisfeita, a união é considerada automaticamente definitiva”. Entre os calmucos, realiza-se uma corrida comum entre esposo e esposa; e esta última é concedida alguma vantagem; e contaram a Clarke “que nunca se verifica o caso de uma moça ser alcançada por ser cortejador, se ela não o deseja”. [...]. [Semelhante corrida foi observada] entre as tribos do arquipélago malaio [...]. Um costume análogo, com análogo resultado, é tido em grande conceito entre os koraks da Ásia norte- oriental (DARWIN, 2008, p. 688-89).

Para Cohen (2010), todos esses exemplos, que Darwin não se deu conta, demonstram que o patriarcado é uma “invenção” recente na história da “evolução” humana. As mulheres não são tão inclinadas ao casamento, como muitas vezes se supõe. Apesar disso, Darwin compreende que os homens mais vigorosos, fortes e poderosos passaram a escolher as mulheres mais atraentes e ao seu gosto, isso explicaria porque agora as mulheres são bem mais enfeitadas do que os homens, com o objetivo de atrair um parceiro sexual via casamento.

A hipótese da corrente transcultural sobre a origem do patriarcado

Eleanor Leacock (2019) fornece um rico estudo sobre os povos originários que, contrariando a visão sexista dos primeiros antropólogos, ajuda a compreender que a hipótese de um patriarcado que saltou dos primatas para os primeiros hominídeos e que, entre os humanos, a organização social patriarcal foi hegemônica, como defendeu também Smuts (1995), não se sustenta. Leacock (2019) defende que as sociedades originárias, pré-coloniais, foram, em sua maioria, sociedades igualitárias ou matrilineares.
Na grande parte do mundo pré-colonial as mulheres gozavam de grande liberdade sexual, autonomia em seu processo produtivo e relacionavam-se umas com as outras e com os homens em igualdade nos procedimentos públicos e privados. A monogamia, a família nuclear e a opressão das mulheres teve origem juntamente com o surgimento da sociedade de classes e a formação do Estado.
Para defender a sua tese, Leacock introduz em seus estudos algo que os primeiros antropólogos negligenciavam até então: a história. Enquanto muitos antropólogos estudavam as sociedades originárias como sociedades estáticas, Leacock acompanhou as transformações ocorridas a partir das interferências colonizadoras e do trabalho produtivo que retirou a mulher do seu lugar de prestígio e a colocou em uma posição social de subjugação, cerceada ao espaço doméstico. Segundo a autora, mesmo que houvesse algum tipo de elemento patrilinear nestas sociedades horticultoras, seria completamente diferente do patriarcado que se desenvolveu nas sociedades com estruturas de classe, propriedade privada e organização política.
Em relação às hipóteses de que os germes do patriarcado estariam no comportamento dos primatas não humanos, Leacock (2019) ressalta que os dados que temos até agora revelam uma grande variedade de padrões de acasalamento entre os primatas não humanos. Nossos ancestrais mais próximos são os macacos. Entre os chimpanzés estudados, os machos não competem pelas fêmeas. Os humanos evoluíram como caçadores-coletores e o que se sabe sobre a sociedade forrageira é que naquela sociedade a agressão era desaprovada e evitada.
Ao mencionar as pesquisas na obra The Mothers, realizadas por Robert Briffault, Leacock (2019) ratifica que o cuidado maternal prolongado nos macacos superiores foi fundamental para estimular o sexo feminino a iniciar o processo de aperfeiçoamento da vida social, dando origem a matrilinearidade “[...] porque as mulheres não apenas foram as procriadoras da nova vida, mas também as principais produtoras das necessidades da vida. [...] [isso aponta] para a conclusão de que as mulheres são responsáveis por conduzir nossa espécie à humanização e à socialização” (LEACOCK, 2019, p. 231).
Ainda, as sociedades matrilineares e matrilocais constituíam quarenta e uma das oitenta e quatro sociedades apresentadas na amostra etnográfica mundial elaborada por George Peter Murdock. Dentre as sociedades que são organizadas com essa estrutura, entre povos horticultores e igualitários da América do Norte a autora cita “[...] os iroqueses e os hurões do nordeste, os cherokees, os creek e os choctaw do sudeste, os hidatsa, os mandan, os arikara, os pawnee e os wichita das Planícies, os hopis e os zuni do sudoeste” (2019, p. 280, grifos nossos). Mas, em todo o seu livro, a estudiosa traz exemplos de sociedades originárias que eram ou foram, em algum momento, igualitárias.
Eleanor lamenta que o modo de vida de muitas dessas sociedades originárias tenha se transformado ou mesmo desaparecido antes de serem registradas de algum modo. Mas, a autora conseguiu acompanhar muitos estudos e registros de sociedades em épocas diferentes, neles ela pôde perceber os fatores responsáveis pela transmutação das sociedades matrilineares, igualitárias em sociedades patriarcais devido aos violentos processos de colonização e de uma educação imposta à força. A transformação da produção de sociedades forrageiras-horticultoras, caçadores-coletores, para uma produção de mercadorias, criando novos modelos econômicos que destruíram a coletividade que antes organizavam estas culturas foi o fator principal.
Segundo a autora: “As mulheres começam a perder o controle de sua produção, e a divisão sexual do trabalho relacionada à sua capacidade de procriar torna-se a base de sua opressão como prestadoras de serviços privados em domicílios individuais” (LEACOCK, 2019, p. 203). Quando seu direito à terra foi revogado, impôs-se à mulher a monogamia, a família nuclear e uma moral especificamente feminina de submissão, além da estratificação de classe. Entendia-se que, instaurando a família nuclear, esta passaria a ser a unidade econômica básica da sociedade.
Com relação à sexualidade feminina, Eleanor relata vários estudos acerca do comportamento sexual do final do século XIX e início do século XX. Conforme a autora, esses estudos ofereceram exemplos acerca da liberdade sexual desfrutada pelas mulheres que, posteriormente, não mais foram obtidos ou admitidos, quando, mais tarde, um trabalho de campo sistemático foi realizado por antropólogos profissionais. Percebe-se que em meados do século XIX muitas dessas práticas já haviam mudado. Foi registrada essa mudança entre as moças iroquesas do século XVII; os nagas konyak de Assam, os aborígines australianos, os antigos wyandot, um grupo huroniano, os cherokees, os zuni dentre tantos outros povos.
Mais recentemente, em 1929, entre os igbos da Nigéria, quando as mulheres perderam o seu status na comunidade, em decorrência das políticas colonizadoras, elas organizaram um grande protesto que ficou conhecido como Guerra das Mulheres. Reivindicando o retorno dos antigos costumes Elas proclamaram que a partir daquele dia o cultivo da mandioca deveria ser circunscrito às mulheres; que as disputas deveriam ser julgadas pelos conselhos da aldeia e não pelos tribunais nativos; que os preços da noiva não deveriam exceder uma determinada quantia a ser paga em moeda local; e que as mulheres casadas poderiam manter relações sexuais com outros homens e não apenas com seus maridos (MEEK, apud LEACOCK, 2019).
Estes exemplos são de suma importância e nos leva a acreditar que, ao contrário do que defende Bárbara Smuts, o patriarcado não saltou dos primatas não humanos para os hominídeos. Baseamo-nos no próprio Darwin, quando atribuía às mulheres das sociedades originárias a responsabilidade pela seleção sexual. Toda essa exposição revela que o patriarcado é uma invenção recente na história humana, fruto de muitos tipos de violência.

Conclusão

A partir da biologia evolutiva e das hipóteses elaboradas pela pesquisadora Barbara Smuts, compreendemos que o patriarcado pode ser desconstruído a partir de suas bases, não importando se essas bases estão ou não na origem da evolução humana. Para cada uma das hipóteses apresentadas sobre o surgimento do patriarcado, Smuts (1995) aponta uma contraestratégia para a sua desconstrução e para que nós mulheres vivamos em uma sociedade mais igualitária. São importantes lutas por proteção legal dos nossos corpos, direitos de propriedade e outros bens. Precisamos apoiar mudanças econômicas e políticas com potencial de reduzir a desigualdade entre os próprios homens e precisamos identificar e mudar comportamentos que contribuam e justifiquem a presença do patriarcado.
A partir da teoria transcultural percebemos que, ironicamente, nós mulheres não estamos lutando para conquistar direitos, mas para resgatar aquilo que perdemos em um passado recente. Percebemos que traço comum do patriarcado é a violência, a destruição das sociedades primitivas e a imposição da exploração do homem pelo homem. A guerra, marcadamente patriarcal, trouxe com ela a escravidão, a subjugação das mulheres, a riqueza expropriada dos trabalhadores convertida em propriedade privada. Coube então, aos homens da classe dominante, as atividades fundamentais para a reprodução dessa sociedade violenta, exploradora e patriarcal.

Referências bibliográficas

COHEN; Claudine. Darwin on woman: Darwin et la femme. Comptes Rendus Biologies, n. 333, 2010, p. 157–165.

DARWIN, Charles. A origem do homem e a seleção sexual. Curitiba: Hemus, 2008.

LEACOCK, Eleanor Burke. Mitos da dominação masculina: uma coletânea de artigos sobre as mulheres numa perspectiva transcultural. São Paulo: Instituto Lukács, 2019.

MASCIA-LESS, Frances. E.; BLACK, Nancy Johnson. Gender and Anthropology. In: . The Evolutionary Orientation. 2 ed. Long Grove: Waveland Press, 2017, p. 21-40.

SANTOS, Ana Paula dos. Feminismos, interseccionalidades e questões de gênero: enunciações de docentes do curso de biologia. Dissertação: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2021, 158f.

SMUTS, Barbara Boardman.The evolutionary origins of patriarchy. Human Nature, v. 6, n. 1, 1995, p. 1-32.