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Greve na educação: a ponta do iceberg

Instrui-vos porque teremos necessidade de toda vossa inteligência.

Agitai-vos porque teremos necessidade de todo o vosso entusiasmo.
Organizai-vos porque teremos necessidade de toda a vossa força.
Antonio Gramsci (1891-1937)

Walter Marcos Knaesel Birkner
Sociólogo, autor do livro Sociologia produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade


Um movimento de greve iniciado pelo Sindicato dos Trabalhadores na Educação de Santa Catarina – SINTE -, no mês de maio de 2024, me chamou à atenção, não simplesmente pelas reivindicações da categoria. Despertou meu interesse mais em função do que considero um problema de fundo, submerso nesses conflitos de interesses entre governo e professores. Me refiro à necessidade de pensar o modelo educacional, sobretudo, do ponto de vista conceitual. Dá pra entender porque somos tão ruins na Educação, mas é pusilânime continuarmos aceitando este fato.


É nessa perspectiva que apresento uma apreciação preliminar. Me utilizo do fato específico - a greve -, reconhecendo a importância de suas características. Todavia, aproveito o episódio pra levantar um assunto emergente na composição de um episódio assim, e que se revela um problema fundante, cujo atendimento às reivindicações não o resolve, porque elas só revelam a superfície do problema. E, por extensão, é preciso observar que, no respectivo imediatismo, nem governo, tampouco sindicato, vislumbram o interesse geral da Sociedade.
A greve dos professores teve justificativas importantes. As reivindicações são pontos comuns de conflagração entre governo e sindicato, relativos a condições salariais e de trabalho, algo legítimo. Não obstante, logo me dei conta: Santa Catarina - e isso vale pra todos os estados - precisa decidir se deseja estar entre os lugares mais desenvolvidos da América ou perder essa oportunidade durante o século XXI. E, em querendo, é necessário entender alguns paradoxos para depois debater sobre que modelo educacional facilitará essa condição.
Debater as reivindicações é, portanto, a ponta do iceberg. A primeira demanda é o aumento salarial aos professores com mais titulação. Gostem ou não, reivindicam meritocracia, algo que muitos abominam na Educação, mas corporativamente expressam concordância nessa hora. Além disso, pediram concurso público ante um quadro de 70% de professores admitidos em caráter temporário (ACT). É fácil concordar com os dois pontos, mas o problema de fundo não está em pauta e deveria se somar a essas reivindicações.
Não partidarizo o tema, porque não tenho autoridade no assunto. Meu interesse é pensar o problema radical da Educação e, nesse sentido, a greve é só mais um subcapítulo de um livro inconcluso. O nome desse livro seria “Educação para o desenvolvimento no século XXI”. O que, fundamentalmente, nem governo, nem sindicato discutem é: que modelo educacional precisa ser esboçado, discutido e implantado pra sedimentar a trajetória do desenvolvimento territorial nas próximas décadas?
Quanto às reivindicações, o governo, como é de se esperar, resiste e posterga. Do ponto de vista do interesse público, sempre alegará falta de recursos, o que geralmente é verdade. E, do ponto de vista da prioridade, se apoia nos números do IDEB, que colocaram Santa Catarina no topo do ranking em 2021 (índice de 6,2). Mas, isso dá uma ideia parcial da realidade. Como dizia um velho cientista alemão: por que simplificar, se podemos complicar? Então, vamos lá.
Lembremos: o IDEB é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (integra Ensino Fundamental, do 1º ao 9º, e Médio). Se separamos os resultados, observaremos que, no Fundamental, Santa Catarina foi notavelmente o primeiro colocado, em 2021, à frente de CE, SP, PR, DF, MG, RS, ES etc. (Estado, sem data). Nas Séries Iniciais (1ª a 4ª), é disparadamente o primeiro (Ibidem). Já, se considerarmos somente o IDEB no Ensino médio, Santa Catarina cai para o 9º lugar em 2021 (QEDU, sem data) - e é aqui que se concentram os professores ACT., 2024
E, agora, em agosto de 2024, que saiu o resultado do IDEB de 2023, bingo!: Santa Catarina caiu para 11º, mas podendo estar em 15º lugar, porque divide essa colocação com mais quatro estados (BRASIL, 2024).
No Ensino Médio, Santa Catarina chegou a estar em 1º lugar, em 2011. Depois, foi caindo (2015: 9º lugar) e em 2021 chegou em 8º lugar. Como a média é alta nos anos iniciais, ajudou o estado a ficar em primeiro lugar no Ensino Fundamental. É útil lembrar que fundamental é responsabilidade municipal e os anos iniciais carregam a influência do ambiente familiar e comunitário, principalmente nas cidades pequenas. Já o Ensino médio é responsabilidade dos governos estaduais e é onde a porca torce o rabo.
É difícil encontrar uma fonte de informação sobre a média percentual de ACT nas escolas municipais do estado. Mas, pra se ter uma ideia mínima, o Tribunal de Contas (TCE/SC) monitorava alguns municípios no estado e, em 2018, era de 5% em Joinville e 10% em Blumenau (ambas entre os melhores índices municipais do IDEB no Brasil, de cidades médias e grandes – 6,7 e 6,6, respectivamente). Lembremos que a média de Santa Catarina foi de 6,2, em 2021. Até aumentou para 6,4 em 2023, mas foi ultrapassado por três estados (PR, CE e SP).

Admissão de Professores em Caráter Temporário (ACT)
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Santa Catarina - SINTE, o percentual de professores admitidos em caráter temporário (ACT), no estado ultrapassa os 70% 2m 2024. Era de 60% em 2019 e de 50% há uma década atrás, quando já se dizia que era muito. E, há exatamente uma década atrás, o governo do estado lançava o Plano Estadual de Educação, se comprometendo a chegar em 2025 com 80% de professores efetivos, praticamente o contrário da realidade que Santa Catarina vive em 2024.
Pra complicar mais, uma notícia do Jornal ND+, de 28 de abril de 2024, mostra que “Santa Catarina é o 5º estado brasileiro com mais professores temporários...”. À frente estão Minas Gerais (80%), Tocantins (79%), Acre (75%) e Espírito Santo (73%). A pesquisa foi realizada pelo movimento Todos pela Educação e os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas em Educação - INEP. O motivo explícito é a falta de concurso público. E, estamos raciocinando a partir da premissa de que a condição de efetivo é melhor, não só aos docentes, mas aos alunos.
Curiosamente, entretanto, se considerarmos os melhores índices do IDEB no Brasil, observaremos que os cinco melhores estados (SC, CE, SP, PR e DF) têm percentuais de professores temporários acima de 50%, chegando a quase 60% no Ceará, estado com o melhor modelo educacional do País. Na outra ponta, estão os estados com os maiores percentuais de professores concursados (respectivamente, RJ, RN, BA, PA e AM). Entre estes, o melhor colocado no IDEB é o Rio de Janeiro, que ocupa atualmente a 10ª posição no ranking.
Isso não anula a importância do concurso público, mas dá margem para que os governantes relativizem a importância da reivindicação, se perguntando: pra que? Mesmo assim, a distinção meritocrática reivindicada pelo Sindicato é tão razoável quanto o concurso público. Mas, em nome das contas públicas, a mesma relativização governamental acontece. Se essa equação fosse fácil, os melhores salários estariam nos estados mais desenvolvidos, com os melhores IDEB, e isso não é a regra.
Concursos públicos selecionam e tendem a gerar estabilidade educacional e meritocracia. Quanto à descompactação da tabela salarial, isso valorizaria a titulação do professor e, em tese, o incentivaria a estudar mais – doutor ganha mais que mestre, que ganha mais que especialista, que ganha mais que graduado. Insisto: descompactação da tabela salarial e concurso público são demandas legítimas e o que professores reivindicam é meritocracia, algo que deveria ser explicitamente admitido e reintroduzido nos conteúdos escolares.
Para além das reivindicações
Mas, pra além dessas questões pontuais, governo e sindicato não demonstram disposição, nem discernimento sobre a prioridade às crianças e adolescentes de Santa Catarina – e, novamente: isso vale pra todo o País: um modelo educacional-conceitual para o século XXI. Me refiro a um modelo que possa suprir uma considerável ausência na formação atual. O problema é a falta de certos conceitos, além de um pressuposto básico e de um objetivo estratégico, ambos negligenciados na formação dos estudantes.
Entre os conceitos: desenvolvimento local-regional, cooperação, adaptação, produtividade, meritocracia, interdisciplinaridade, criatividade, reputação, capital social e humano etc. Certamente, há muitos outros e não excluirão o que atualmente compõe os conteúdos curriculares. Não obstante, abrirão espaço para que a Educação esteja voltada aos interesses estratégicos de qualquer país que precisa de capital humano, pra uma consequente economia forte para fomentar um forte Estado de bem-estar e de direitos.
Quanto ao pressuposto básico, trata-se de inserir o pensamento sistêmico, permitindo que professores e alunos entendam o funcionamento de uma sociedade desenvolvida. Assim como um organismo saudável e uma cabeça boa, tudo depende da conexão entre indivíduos e organizações para produzir as melhores sinapses. Nessa direção, é preciso transpor a visão da conflagração social na origem da polarização ideológica atual, realimentada pelos “engenheiros do caos”.
Quanto ao objetivo estratégico: foco no desenvolvimento local-regional, orientado por dois pressupostos essenciais da Educação: formação para a cidadania-civismo e o mundo do trabalho. Nada de retirar os temas existentes, o que só representaria mais conflagração e reproduziria a visão anacrônica à qual governos e sindicatos estão presos. O pensamento sistêmico revela as conexões sinérgicas na diversidade, favorecendo o desenvolvimento, ao invés de inibi-lo.
Tudo isso já está pressuposto na Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Aparece ainda mais claramente no Currículo Base do Território Catarinense, documento estadual correspondente (todos os estados têm os seus). São documentos cujos pressupostos vão, as vezes ainda timidamente, mas vão na direção das necessidades de formação para o século XXI – e olha que já estamos concluindo o primeiro quarto dessa jornada. Essa discussão, aprofundo no livro “Sociologia produtiva” (BIRKNER, 2024).
O atendimento das mencionadas reivindicações estimularia corretamente a seleção darwiniana, conferindo rumo à economia capitalista. Mas, aí, temos um duplo problema. De um lado, salvo exceções, governantes não fazem a devida relação entre Educação e desenvolvimento. O que enxergam é muito simplório, sem percepção sobre conteúdos, conceitos e métodos, nada mais que feijão com arroz. E, de outro lado, a hegemonia política da representação educacional no País nutre uma falaciosa aversão ao capitalismo e um horror ao evolucionismo.

Por que não avançamos?
Por parte dos sindicatos, bom: que alguém me corrija dizendo que sua função é estritamente corporativista, em defesa dos interesses da categoria. Se for só isso, sua função social é lacônica. Mas também sabemos que, em termos de orientação conceitual, sindicatos da Educação se alinham à direção da Conferência Nacional de Educação – CONAE. Sua retórica não expressa o pensamento sistêmico, muito menos o liberalismo, o desenvolvimento econômico ou qualquer perspectiva neoevolucionista. Ao contrário, sua retórica é de conflagração e a favor da extinção da BNCC – caso sério.
Só pra lembrar: a Conferência Nacional de Educação – CONAE – existe desde 1934 como um fórum nacional permanente, que reúne segmentos da Sociedade civil, representando os “interesses” da Educação nacional. No atual mundo cheio de boas intenções, seus integrantes se reúnem periodicamente para discutir os rumos educacionais. Não é um órgão deliberativo; é tão somente consultivo, conquanto se deva admitir seu poder de pressão e influência sobre o processo decisório. A última conferência foi entre março e abril de 2024 para a formulação do Plano Nacional de Educação - PNE.
O mencionado Plano é decenal (2025-2034) e recomenda os principais temas à formação dos estudantes brasileiros. Ainda que seja apenas um documento consultivo, é fácil perceber a convergência dos conteúdos escolares e universitários com essa cartilha. Mais explícita, ainda, é a uniformidade temática do PNE com o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM e o Exame Nacional do Ensino Superior – ENADE. Não há, rigorosamente, qualquer preocupação com os temas que sugerimos aqui. Tampouco se vê compromisso com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC.
Pois aqui vão duas pérolas propositivas inerentes a esse documento. São proposições em nome da “formação para a cidadania e coletividade”. Naturalmente, o PNE tem aspectos importantes, mas é notável o desprezo com temas voltados à produtividade e competitividade, necessários à formação dos estudantes ao mundo do trabalho. E, se faça lembrar, a CONAE se expressa pelo bem da Nação e compromisso com o futuro dos nossos jovens, parte expressiva dos quais, sabe-se lá por que outras razões, expressa o desejo de sair do País:


[…] é necessário garantir que as reformas educacionais não cedam a pressões reducionistas de interesses privados e oriundas de um modelo que enxuga o papel do Estado, como as agendas neoliberais que cresceram nos últimos anos no campo educacional. Exemplos de políticas que passam por tal problemática são a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), […] e a Reforma do Ensino Médio […], que precisam de revogação (CONAE 2024).


É isso mesmo: literalmente, os integrantes dessa organizada criatura política pedem a revogação da BNCC, na condição de guardiões da Educação nacional. Ah, e o leitor que se dedicar a uma leitura do documento de 282 páginas que separam o bem do mal, ainda constatará o aguerrido combate às “políticas educacionais ultraconservadoras”, isso mesmo, e, bom, como seria de se esperar, ao “agronegócio”.
Pois bem, sejamos realistas: não há perspectiva de curto prazo à remoção de tais obstáculos corporativistas e ideológicos. Sua fortaleza é bem maior que os pressupostos politicamente vagos e idealizados que aqui apresento. E seu discurso é articulado, não tem ponta solta, diferente da Sociedade civil dispersa de indivíduos tentando cuidar de suas vidas. Deveríamos aprender mais com eles, não pra ser como eles, nem pensar como eles. Mas, pra sabermos que a coisa pública exige eterna vigilância e a palavra dirige o curso da história. Antonio Gramsci (1891-1937) ficaria orgulhoso.

O que esperar?
Sobre o acima observado, não parece haver consciência por parte do governo estadual de Santa Catarina. Não há planos para enfrentar os desafios. Tampouco se expressa alguma preocupação com as urgências formativas ante um mercado de trabalho otimizado pela inteligência artificial, que extingue profissões e demanda novas. Essa deveria ser a preocupação obsessiva de governos e educadores. Enquanto isso, a Secretaria de Educação se ilude com os índices do Ideb de 2021, tão passageiros, como mostra o Ideb 2023.
Conquanto o IDEB de Santa Catarina tenha sido o melhor do País em 2021, e ainda bem colocado em 2023, o paradoxo é o seguinte: o estado vai bem onde a responsabilidade é dos municípios, mas a qualidade cai a mais de uma década no Ensino médio, onde a responsabilidade é do governo estadual. E a Secretaria de Estado da Educação parece não saber disso. É irresponsabilidade ou ignorância? Um governo inteligente precisa ser bem mais que isso.
No fundo, essa falta de sagacidade resulta, é claro, de certa carência de instrução intelectual, mas também da polarização ideológica e política que fez dos agentes políticos reféns de seus eleitores mais barulhentos. Esvaziou-se o campo das ideias e tudo que interessa são as demonstrações de maniqueísmo no “jardim das aflições”. Daí que Toda palavra, imagem e ato estão direcionados pra que o eleitor saiba de que lado da conflagração estão o governante e o parlamentar. E lá se foram autonomia, autenticidade e planejamento.
Não sei se é imprescindível superar essa revisão do maniqueísmo da guerra fria entre cristãos-democratas e ateus-totalitários (cópia mal feita dos EUA). Mas, essa polarização acéfala enturva, inclusive, a compreensão da Sociedade sobre as reivindicações dos trabalhadores da Educação. E, sobretudo, parece ser o obstáculo que nos impede de discutir o problema estrutural: um modelo educacional obcessivamente focado no desenvolvimento.

O modelo educacional e o exemplo do Ceará
Reafirmo a importância de considerar as reivindicações do SINTE: 1) a descompactação da tabela salarial, reconhecendo o mérito de quem tem mais titulação e deve receber mais, porque se preparou melhor pra ensinar; e 2) o concurso público para que tenhamos maior número de professores efetivos e com plano de carreira. Evidentemente, isso tem custos que governo e Sociedade têm de decidir se assumirão, sabendo que haverá efeitos futuros, porém não distantes, no desenvolvimento do estado.
Não obstante, a materialização dos dois pontos não garantirá o objetivo estratégico se não vier acompanhada de uma reforma do modelo. E essa reforma precisa estar pautada em conceitos por sua vez respaldados nos documentos oficiais da Educação brasileira e catarinense. Refiro-me, respectivamente, à Base Nacional Comum Curricular - BNCC e à Base Curricular do Território Catarinense. Esses dois documentos oficiais contém as orientações gerais respaldadas pela LDB e autorizam a nossa proposição aqui.
Precisamos concentrar o esforço na potenciação dos estudantes à promoção de uma mentalidade produtiva, voltada ao desenvolvimento pessoal, local-regional e do País. No livro “Sociologia Produtiva: BNCC, desenvolvimento e interdisciplinaridade”, aprofundo o assunto, apresentando um quadro com 44 conceitos à consecução desse objetivo estratégico. Honestamente, não tenho expectativas de curto prazo porque não vislumbro consensos sobre isso entre os agentes educacionais. Todavia, se fosse proprietário de uma escola, não hesitaria em lançar mão deles.
De todo modo, os conceitos encontram respaldo na BNCC e no correlato catarinense, por estarem vinculados à ideia-força do desenvolvimento, no âmbito local-regional, de pleno acordo com tais documentos. O quadro conceitual está dividido em quatro categorias: 1) conceitos ácidos (vinculados às demandas do século XXI), metálicos (vinculados ao capital humano), clássicos (ligados à tradição do Ocidente) e republicanos (ligados ao capital social). Esse seria o esboço do modelo, o eixo, do ponto de vista conceitual.
Do ponto de vista operacional, uma decisão ajuizada de governo e todos os agentes educacionais seria simplesmente mirar no exemplo do Ceará. O modelo cearense sempre aparece em 1º lugar no Índice (bianual) de Oportunidades da Educação Brasileira - IOEB. Está à frente de São Paulo, Distrito Federal, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul. De modo geral, essa ferramenta avalia as condições oferecidas a um estudante para o seu desenvolvimento educacional.
Nesse índice, o Ceará tem 30 dos cinquenta municípios com os melhores resultados do País em 2023. O estado também é referência internacional no Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes – PISA, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Nesse ranking classificatório do desempenho dos estudantes em língua, matemática e ciências, o Brasil fica nas últimas colocações, mas o Ceará se destaca.
Enquanto isso, o município de Sobral - CE é citado como exemplo pela OCDE. Foi lá que a transformação do modelo educacional começou e se espalhou pelo estado cearense. A OCDE usa o resultado de Sobral e do Ceará separadamente, para demonstrar como o Brasil poderia melhorar seu sistema educacional se replicasse o modelo. Na perspectiva do institucionalismo, inclusive, é um excelente exemplo de como boas reformas institucionais podem melhorar a Sociedade e promover o desenvolvimento desde o seu principal ponto de partida de longo prazo: a Educação.
O modelo educacional cearense é baseado em três pilares: 1) Meritocracia: os diretores são escolhidos por seleção baseada em prova, entrevista com psicólogo, currículo e curso de formação - não por indicação partidária, nem mera eleição; 2): Formação de professores e avaliação: há mais de duas décadas o Ceará garante bonificação a professores a partir do resultado da aprendizagem dos alunos; 3) Sistema de avaliação: avaliação permanente e acompanhamento dos estudantes por semestre - não existe aprovação automática.
Em maio de 2024, o secretário de Educação de Sobral, município pioneiro onde tudo começou há três décadas, esteve na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Herbert de Lima recebeu o convite do deputado estadual Mario Motta (PSD), numa demonstração incomum de apreço e prioridade ao tema da Educação entre parlamentares. Em sua coluna, o jornalista Renato Igor, do jornal NSC, de 21 de maio de 2024, revela: segundo o secretário Herbert de Lima, não se perde tempo com bobagens como “escola sem partido ou ideologia de gênero”. O papo é desenvolvimento.
Atualmente, Sobral ocupa concomitantemente o primeiro lugar no IOEB (2023) e no IDEB (2023) entre municípios com mais de 200 mil habitantes, um feito extraordinário, humanamente possível. É questão de superar o corporativismo e ter vontade política. Mas, insisto: essa vontade não pode mais estar orientada por preconceitos anacrônicos em relação ao capitalismo e ao liberalismo econômico, tampouco negacionistas em relação ao evolucionismo.
Quanto à teoria da evolução, a propósito, impressiona que todo o revisionismo iniciado há mais de meio século continue sendo ignorado pela hegemonia da Educação brasileira, sobretudo nas ciências humanas. Mais especificamente, é na sociologia dos manuais do ensino médio (e no interior dela, na antropologia), que ainda há resquícios de críticas ao darwinismo social do século XIX. É como se nada mais tivesse acontecido nessa teoria, desde então. No entanto, o evolucionismo evoluiu – com o perdão da redundância.
Atualmente, o neoevolucionismo tem sido útil em debates contemporâneos e interdisciplinares sobre o tema do desenvolvimento sustentável e local-regional. Da Sociobiologia, jamais se lê algo, como fosse originária dos tártaros do inferno. No entanto, as confluências das ciências sociais com a biologia, a psicologia, a zoologia, a botânica, a física e, mais recentemente, a ecologia, mas também a economia, são elucidativas. Nem falei da filosofia. Não pode haver ignorância, nem desprezo sobre a riqueza interpretativa disso no campo da Educação.
Essas confluências são demonstradas pelo neoevolucionismo e, sem escárnio ao conceito de competição, a ideia central é a cooperação. Essa perspectiva contemporânea do evolucionismo explica sinergias que potenciam a formação para o desenvolvimento pessoal e coletivo. Nessa direção, ensejam a conceituação do desenvolvimento local-regional e a intersecção com os interesses estratégicos de uma Nação.
Isso implica na introdução da ignorada temática do desenvolvimento, incluindo a economia política e uma sociologia da economia, capazes de favorecer sinapses interdisciplinares hoje desconhecidas na Educação brasileira. Vai, inclusive, na direção de uma sinergia social específica, pedagógica. Noutras palavras, levará agentes e dirigentes educacionais a compreenderem conexões que tragam profissionais e empreendedores para conversar com os estudantes. – um longo assunto.

Para concluir
Portanto, voltando à ponta do iceberg, as reivindicações de toda a negociação entre governos e sindicatos da Educação, por justas que sejam, não revelam a parte submersa que precisa vir à tona. Reafirme-se: a necessidade de refletir sobre o modelo educacional, sobretudo, do ponto de vista conceitual. Para além dos atuais pressupostos como o respeito à diversidade, cuja validade é civilizatória, é preciso inserir o tema do desenvolvimento, apadrinhado pelo foco na cidadania e no mundo do trabalho. E muito, muito respeito às estatísticas que demonstram nossas fragilidades. Dá pra entender porque somos tão ruins na Educação, mas é pusilânime continuarmos aceitando este fato.

 Referências bibliográficas

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