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Jabuticabas ou Cosmopolitismos: duas formas de fazer filosofia

 

EDGAR INDALECIO SMANIOTTO
Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela Unesp de Marília

O livro“Filosofia Jabuticaba” (FiloCzar, 2021) de João de Fernandes Teixeira, como enfatiza o título, pretende discutir está jabuticaba que é a filosofia no Brasil, assim como a jabuticaba é uma frutinha que é tipicamente brasileira, a filosofia como praticada no Brasil se tornou ela mesma uma jabuticaba intelectual.

Para Teixeira a jabuticaba não é consumida em nenhuma outra parte do mundo, não se transformou em uma fruta cosmopolita, daquelas que você pode comprar em um mercado de Nova York, Paris ou Shangai, o mesmo ocorre com a filosofia feita no Brasil, que permanece tipicamente brasileira.

Teixeira defende uma filosofia cosmopolita, não uma grande filosofia nacional, e sim que nossos filósofos venham a participar da conversação filosófica mundial, abandonando o papel de comentadores dos clássicos europeus, em favor de reflexões originais diante dos problemas filosóficos atuais. Os problemas filosóficos, defende o autor, não são mais nacionais, como eram no tempo dos gregos ou na França iluminista, hoje são tão cosmopolitas como a própria ciência.

João de Fernandes Teixeira é colunista desta revista Humanitas, foi professor na UNESP, UFSCar e PUC-SP, dedica-seprincipalmente aos estudos em filosofia da mente e da tecnologia, possui diversas obras publicadas nestas áreas. O livro, que agora resenhamos, possui quatro ensaios, além do prefácio, que também comentaremos aqui.

Logo no primeiro parágrafo do prefácio Teixeira relata que dedicou sua vida não apenas a estudar filosofia (como o fazem muitos graduados em filosofia) mas efetivamente a fazer filosofia. O fazer filosofia é a grande questão de toda a formação filosófica, me lembro ainda que quando iniciei a graduação em filosofia, eu e meus amigos, esperávamos fazer filosofia, escrever algo que fosse original. Não que realmente pudéssemos fazer isso então! Mas está era nossa perspectiva. Entretanto logo fomos encaminhados para o comentário de textos filosóficos, e aos poucos ensinados que este era nosso papel como filósofos. É exatamente está prática que Teixeira crítica, o comentarismo como principal atividade da filosofia no Brasil.

Em oposição ao comentarismo de obras estrangeiras, a proposta do filósofo é que venhamos a “participar de uma ágora internacional” ou seja, dos debates filosóficos atuais, não como observadores ou comentadores, e sim como filósofos capazes de oferecer perspectivas inovadoras para os problemas filosóficos atuais. Para tanto Teixeira termina o prefácio apresentando três propostas a serem trabalhadas no livro: “discutir o papel cultural da filosofia no Brasil”, “a política de pensamento que tem orientado a filosofia no Brasil” e “refletir sobre a filosofia no Brasil a partir de sua inserção no cenário político nacional”.

No primeiro ensaio “Filosofia e Brasilidade” Teixeira se concentra na ideia do Brasil como país do futuro e nos problemas do nosso sistema educacional, a fim de caracterizar o que ele entende como a filosofia da monumentalidade, ou seja, aquela filosofia que gerava grandes sistemas filosóficos, como as de Descartes, Hegel ou Kant. Tal perspectiva de fazer filosófico para o autor, está ultrapassada. Em contraposição àestáperspectiva, Teixeira desenvolve argumentos em favor do desenvolvimento de uma filosofia cosmopolita, como valida e realista para a filosofia feita no Brasil.

No segundo ensaio “Um pouco de história” Teixeira apresenta sua perspectiva da história da filosofia no Brasil, seu ponto principal é uma crítica ao modelo de profissional de filosofia existente e formado nas universidades brasileiras, que é o “intelectual com tendências marxistas e que escolhe um texto clássico para ser analisado por meio do método estrutural”. Este ensaio é um verdadeiro soco no estômago na forma com que o ensino de filosofia é realizado no Brasil. Vale destacar ainda neste ensaio a análise dos três grupos que formam a comunidade filosófica brasileira e os cinco tipos intelectuais existem na história do Brasil.

Já o terceiro ensaio “Entulho Autoritário de Direita e de Esquerda” é uma reflexão sobre como ambas as correntes política aqui no Brasil possuem tendências autoritárias, não por acaso, no dia a dia, acompanhamos os confrontos entre os dois lados, para um ou o outro, todos os que discordam de suas ideias são comunistas ou fascistas. Ambos são limitadores do pensamento inovador em filosofia.

É neste ensaio que Teixeira apresenta um problema, que quando este resenhista estava na graduação em filosofia, as vezes se pegava pensando sobre. Nossos professores em geral nos formavam para comentarmos filósofos clássicos, portanto afirmavam que tínhamos que ler o texto original (e não comentadores) e de preferência na língua original. Se assim deveria ser feito, por que deveríamos trabalhar em comentários que nunca seriam lidos? Já que nos mesmos, alunos do curso de filosofia, éramos orientados a não ler os comentadores. Acertadamente Teixeira levanta este problema espinhoso, e nem sempre agradável de se colocar em debate. A questão é, estamos fadados ao comentarismo, característica dos autoritarismos de direita e esquerda, que nos impõe sempre sermos comentadores de autores consagrados na Europa e EUA, ou poderemos desenvolver uma reflexão filosófica original?

No quarto é último ensaio “A Filosofia no Brasil hoje” Teixeira critica uma certa corrente de autoajuda, um discurso banal sobre questões banais, há que se dá um ar de problema filosófico pincelando uma citação aqui, e outra acolá. No fundo “autoajuda disfarçada de filosofia” (p. 74), ou seja, se pretende dar legitimidade a discursos banais apelando para a filosofia. O que pelo menos indica que a filosofia é vista com respeitabilidade pela sociedade brasileira, ainda que podemos inferir que os pseudos filósofos, palestrantes de autoajuda, passem uma imagem deturpada da filosofia.

Teixeira procura então comentar aspectos atuais de nossa sociedade, como o analfabetismo tecnológico e científico, a polarização política e a corrupção, acertadamente, não se comprometendo ele mesmo em estar de um dos lados desta polarização, mas como deve a um filósofo, tendo uma visão crítica dos grupos em disputa. Neste interim o autor também tece comentários sobre a classe C brasileira, que assim como a classe média “entendem por filosofia seus livros de autoajuda, sobre morte, sobre autoestima, ou livros sobre os cem filmes que devemos assistir antes de morrer e os cem lugares bonitos do planeta que devemos visitar” (p. 83).

Outro personagem do cenário filosófico brasileiro criticado por Teixeira - com muita razão - é o filósofo apostólico, que convenhamos podem ser encontrados em todos os aspectos de correntes políticas, estes objetivam “ocultar e eliminar a reflexão no momento em que ela surge” (p. 85). Logo em seguida o mesmo olhar crítico que o autor dispensa aos pseudos filósofos de autoajuda e aos filósofos apostólicos, é também dispensado aos filósofos profissionais (o professor universitário de filosofia), no Brasil, em geral comentadores de algum autor.

João de Fernandes Teixeira termina este ensaio em particular, mas também, todo seu processo argumentativo exposto ao longo do livro com três ideias basilares para o futuro desenvolvimento da filosofia brasileira: deve ser centrada em problemas; os problemas filosóficos são universais e a filosofia hoje é cosmopolita; cabe ao filósofo brasileiro contribuir originalmente para a filosofia que é feita globalmente.

A tal da jabuticaba, ou seja, a tentativa de criar uma filosofia brasileira a partir de problemas que seriam problemas exclusivamente brasileiros, sermos apenas comentadores de textos estrangeiros ou ideólogos em uma cruzada política qualquer deve ser substituída por uma postura filosófica cosmopolita. O texto de Teixeira já nasce um clássico, escrito em um estilo acessível, que não pretende disfarça a falta de ideias ou a paráfrase em um texto ilegível, com a desculpa de que filosofia é difícil mesmo, é um texto que deveria ser lido por todo aluno de graduação em filosofia. Mas não apenas por estes, como é sempre possível mudar, filósofos experientes poderiam se beneficiar com o olhar lucido de Teixeira sobre a nossa filosofia e a perspectiva de que nós brasileiras não apenas podemos, como devemos e temos toda a potencialidade de participar desta grande ágora universal que é a filosofia.

 

 

Dados bibliográficos:

 

TEIXEIRA, João de Fernandes. Filosofia Jabuticaba: Colonialidade e pensamento autoritário no Brasil. São Paulo: FiloCzar, 2021.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] Filósofo, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Unesp de Marília, membro da Associação Brasileira de Antropologia - ABA, da Sociedade Brasileira de Astrobiologia – Astrobio e da SAB - Sociedade Astronômica Brasileira. Pela editora Senac publicou os livros Filosofia Pop (2021); Leitura e Produção de textos filosóficos (2021) e Temas e problemas em filosofia (2021).