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Cheikh Anta Diop: filosofia e o espaço cósmico africano

EDGAR INDALECIO SMANIOTTO
Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela Unesp de Marília [1]

 Cheikh Anta Diop é um reconhecido filósofo africano, além de egiptólogo, linguista, antropólogo, físico, químico e historiador, como egiptólogo foi o fundador da escola africana de egiptologia. Diop é um dos colaboradores da coleção da UNESCO de História Geral Africana, em que resgata um Egito antigo negro e africano, além de um dos grandes centros culturais do mundo antigo: “A obra de Diop é uma das que mais evidenciam que a África Negra já foi um grande templo do conhecimento científico” (AMBRÓSIO & DIÉMÉ, p. 86).

Em 1977 foi publicada na Afriscope algumas conversações realizadas com Anton Diop no Senegal em 1976. Conversações publicadas aqui no Brasil com o título de “A África e a raça negra em perspectiva” no livro Racismo e Sociedade de Carlos Moore (2012), não vou fazer uma avaliação completa da entrevista, de acordo com nosso propósito de pensar de um ponto de vista filosófico a astronáutica, destaco o seguinte comentário de Diop:

 

Na minha opinião, o estágio de microestados, como poderia ser visto na Europa no século XIX, e como pode ser visto hoje na África, tornou-se um anacronismo. Hoje, a única solução política viável para a África está em um Estado continental. Se um Estado continental não puder ser alcançado em um primeiro estágio, então, deve-se pelo menos aspirar a uma união dos Estados subsaarianos como primeiro passo (p. 256) 

 

Neste trecho da entrevista Diop comenta o problema da existência de microestados, ou seja, países tão pequenos que se tornam inviáveis como Estados nacionais, e em sua avaliação é necessário que os países africanos formem um Estado continental. O continente Africano se encontrou, principalmente após a descolonização, e em decorrência do imperialismo europeu, dividido em guerras civis tribais e entre diferentes nações, artificialmente constituídas pelos colonizadores.

Neste contexto, Diop preconiza a ideia de uma África unida, se não como um único Estado, como uma união de Estados. Os EUA é, por exemplo, uma nação continental formada por diversos Estados, enquanto a União Europeia é uma união entre diversos Estados preconizando alguns interesses em comuns. 

Um destes interesses dos Estados Europeus é justamente o domínio do espaço exterior, e se hoje as nações europeias conseguem uma soberania no campo do espaço, é justamente devido à formação de uma Agência Espacial Europeia. Este é exatamente o desejo de Diop para a África, ele considera que micronações não teriam condições de ter soberania espacial, e, portanto, não seriam em si soberanas. 

Continuemos com a entrevista de Diop, onde ele se pergunta o porquê da necessidade de uma união de Estados africanos subsaarianos:

 

Pelo simples fato de que, nos nossos tempos, um Estado que não consegue controlar e defender seu espaço cósmico e atmosférico não pode ser considerado independente. Como poderiam os Estados compostos por 200 mil ou mesmo muitos milhões de habitantes almejar obter os meios pelos quais eles poderiam defender e controlar seu espaço cósmico? Nestes tempos o único Estado viável é aquele que consegue encarregar-se de atividades no espaço cósmico(p. 256).

 

Como bem avalia Diop apenas três Estados poderiam almejar assim realmente serem soberanos, a Rússia (na época da entrevista URSS), os EUA e a China. Hoje outra nação se aproxima deste feito: a Índia; e a União Europeia enquanto um consórcio de nações também. Exemplos que confirmam a alegação de Diopde que apenas nações continentais ou união de nações poderiam sustentar programas espaciais de envergadura o suficiente para garantir sua soberania. 

Neste caso, uma das nações que poderia almejar tal posição é o Brasil, um Estado continental, no caso dos Estados Africanos e Latino-americanos, a formação de um Estado continental entre eles ou de uma União poderá garantir sua soberania sobre seu espaço cósmico e atmosférico.

Em 1960 o ex-combatente e professor de ciências Edward MakukaNkoloso criou a Academia Nacional de Ciência, Pesquisa Espacial e Filosofia da Zâmbia, seu propósito era chegar na Lua antes dos americanos e dos soviéticos, e cristianizar os marcianos (CARDOSO, 2021). Apesar de suas idiossincrasias, como a crença em marcianos, que poderiam ser cristianizados[2], foi o primeiro deslumbre de um programa espacial africano (mesmo que predominantemente hipotético). O projeto de MakukaNkoloso nunca decolou, seu maior legado foi a criação do termo afronautas e seu sonho de um programa espacial africano. 

Para além de simples curiosidade histórica, a tentativa de MakukaNkoloso de criar um programa espacial em uma nação africana, confirma as ideias de Cheikh Anta Diop: é necessário um continente africano unido para criar um vigoroso programa espacial africano. Sua avaliação sobre a política espacial, era tão válida em 1976 quanto hoje, apesar das mudanças no cenário geopolítico.

 

No filme Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017) podemos em determinado momento ver a delegação de afronautas chegar na estação espacial, um futuro que certamente ainda veremos, caso as nações africanas busquem inspiração filosófica na filosofia de Cheik Anta Diopum de seus grandes filósofos.  

Referências bibliográficas:

 CARDOSO, Carlos. Afronautas: quando a Zâmbia teve um programa espacial mais ambicioso que o nosso. Disponível em:  https://tecnoblog.net/meiobit/411784/afronautas-quando-a-zambia-teve-um-programa-espacial-mais-ambicioso-que-o-nosso/. Acesso: 15/08/ 2021.

 DIÉMÉ, Kassoum; AMBRÓSIO, Gabriel. Cheik Anta Diop e a produção do conhecimento científico. In: O Pensamento africano no século XX. José Rivair de Macedo (org.). São Paulo: Outras Expressões, 2016. 

 DIOP, Cheik Anta. A África e a raça negra em perspectiva. In:  Racismo & Sociedade: Novas bases epistemológicas para entender o racismo. Carlos Moore. 2ª ed. Belo Horizonte: Nandyala, 2012. 

 

[1] Filósofo, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Unesp de Marília, membro da Associação Brasileira de Antropologia - ABA, da Sociedade Brasileira de Astrobiologia –Astrobio e da SAB - Sociedade Astronômica Brasileira. Pela editora Senac publicou os livros Filosofia Pop (2021); Leitura e Produção de textos filosóficos(2021) e Temas e problemas em filosofia (2021).

[2] É interessante aqui recordarmos que para o escritor e teólogo Clive Staples Lewis no romance “Além do planeta silencioso” (Editora GRD, 1958), os marcianos são cristãos naturais, devida a nunca terem sido corrompidos pelo pecado original.